Terminado o culto do domingo, aceitei o convite para um belo almoço com amigos de longa data. Conversamos sobre tudo. Lá pelas tantas, falamos sobre os conteúdos de meus sermões. Fui incentivado a manter o curso; mas eles foram cândidos (não é para isso que servem os amigos?): “Ricardo muita gente acha que você endoidou”. “Os seus textos e sermões são discutidos em rodas de bate-papo e o pessoal não economiza pedradas”.
Quase me entalei. Porém, lembrei-me da fúria que neo-fundamentalistas-puritanos mostraram quando abriram fogo contra mim; nada mais me assusta. Sei que os ultra-calvinistas, os donos da melhor teologia, os autênticos interpretes das Escrituras, me tratam como a bola que precisa ser encaçapada; sei que os teólogos da melhor cepa, os professores de seminário, me ridicularizam em classe; sei que os xerifes da reta doutrina já fizeram até programa de rádio para me desmerecerem. Já não me aterrorizo com suas investiduras.
Alguns me tratam como um mal resolvido, amargurado com Deus e com o mundo. Outros me julgam um feixe de contradições, amarrado com barbantes comunistas. São tantas fofocas, que recebi um e-mail questionando se eu aderira ao “ateísmo aberto” – precisei responder que, obviamente, ainda não me considero um ateu.
Há algum tempo, eu pregava na Comunidade de um amigo nos Estados Unidos e recebi um convite para falar noutra igreja. Horas antes do compromisso, o pastor encarregado por aquele culto me telefonou para cobrar “explicações”, porque fora informado de “gravíssimas acusações” contra mim. Ele estava com medo de me receber em sua comunidade; contou, inclusive, que um grupo prometera repetir o piquete na porta da igreja como fizeram no Ceará.
O rescaldo de todo esse infame patrulhamento me dá vontade de rir; mas também me empurra para longe do “mundinho gospel” com sua lógica tosca, com sua intolerância soberba e com seu messianismo ufanista. Ainda hoje, um pastor amigo disse que usou uma citação minha em um sermão e notou que o auditório arregalou os olhos. Quando terminou, perguntaram-lhe se não sabia que eu não devo ser mencionado - sou tão mal visto que estrago a argumentação.
Reajo a tudo isso, dizendo que não devo satisfações senão à minha consciência, às Escrituras e à minha comunidade, onde ministro todos os fins-de-semana. Cheguei à idade que já não espero o olhar de aprovação dos zelosos reverendos denominacionais – aliás, nunca esperei, por isso, quando recebi o batismo no Espírito Santo, fui expulso da igreja Presbiteriana.
Hoje batizamos mais de cinqüenta pessoas, a maioria jovem. Empolguei-me com o brilho de seus olhos. Algo me dizia que essa turma quer servir a Deus sem os ranços de uma religião que cheira a mofo. Notei que os pais também celebravam, ao meu lado, a profissão de fé que seus filhos faziam.
Tem hora que desejo afastar-me de tudo – penso em seguir o exemplo de líderes que não suportaram o jugo dos doutores da lei e tomaram outras estradas. Já pensei em decretar o meu próprio exílio, minha saída radical desse ambiente pequeno que só fatiga, mas contemplo a próxima geração e cobro de mim mesmo: “Continue, por Jesus e por eles!”.
É isso...
Soli Deo Gloria.
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